No âmbito do Direito Civil e Registral brasileiro, o princípio da publicidade assume papel central na constituição e oponibilidade dos direitos reais, em especial os relacionados à propriedade imobiliária.
O ordenamento jurídico exige, como regra, o registro no Cartório de Registro de Imóveis como elemento essencial à eficácia dos atos de disposição de imóveis perante terceiros.
Nesse contexto, tanto a transferência de propriedade quanto a constituição de direitos reais de garantia, como a hipoteca, dependem da formalidade do registro para produzirem efeitos erga omnes.
A promessa de compra e venda de imóvel, por sua vez, configura um contrato preliminar que gera efeitos obrigacionais entre as partes contratantes, mas não transfere a propriedade nem constitui, por si só, direito real oponível a terceiros.
Para alcançar essa eficácia, é necessário o registro do contrato no cartório de imóveis, conforme dispõe o artigo 1.417 do Código Civil.
A ausência desse registro pode gerar consequências jurídicas relevantes, especialmente em situações de conflito entre adquirentes e terceiros que tenham obtido direito real sobre o mesmo bem.
Esse cenário foi objeto de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, no qual se discutiu a validade de uma hipoteca registrada em data posterior à promessa de compra e venda de imóvel comercial não registrada.
A decisão reafirmou a supremacia do princípio da publicidade registral e a proteção à boa-fé de terceiros, com importantes repercussões práticas para o mercado imobiliário.
A HIPOTECA E SUA EFICÁCIA JURÍDICA
A hipoteca, conforme definida nos artigos 1.473 e seguintes do Código Civil, é um direito real de garantia que recai sobre bens imóveis, permitindo ao credor, sem a transferência da posse, buscar a satisfação de seu crédito com preferência em caso de inadimplemento.
A validade e eficácia da hipoteca perante terceiros depende do devido registro no cartório competente, conforme os artigos 1.490 e 1.493 do mesmo diploma legal.
A função da hipoteca no ordenamento jurídico é, portanto, dupla: proteger o crédito e assegurar previsibilidade e segurança nas transações jurídicas, conferindo prioridade ao credor hipotecário em relação a outros interessados no bem.
Para tanto, a fé pública registral se torna imprescindível, pois é com base nela que terceiros podem confiar nas informações constantes na matrícula do imóvel.
A PROMESSA DE COMPRA E VENDA E SUA EFICÁCIA LIMITADA
Já a promessa de compra e venda é um contrato preliminar disciplinado pelo artigo 462 do Código Civil, por meio do qual as partes se comprometem a celebrar, no futuro, o contrato definitivo de alienação.
De acordo com o artigo 1.417, “mediante promessa de venda, em que se pactue a irrevogabilidade, registrada no cartório de imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”.
Sem o registro, entretanto, a promessa produz apenas efeitos obrigacionais entre as partes contratantes, não sendo oponível a terceiros.
Esse é o ponto central da controvérsia enfrentada pelo STJ: a ausência de registro da promessa de compra e venda impede que o promitente comprador oponha seu direito a terceiros que adquirem, de boa-fé, direitos reais sobre o mesmo imóvel.
O ENTENDIMENTO DO STJ
No caso em análise, a compradora celebrou promessa de compra e venda de imóvel comercial em 2007, mas não providenciou o registro do contrato.
Em 2009, a antiga proprietária constituiu hipoteca sobre o mesmo imóvel em favor de uma imobiliária.
Em 2018, já no cumprimento de sentença, a imobiliária requereu a penhora do imóvel dado em garantia. A compradora opôs embargos de terceiros alegando sua aquisição anterior.
O juízo de primeiro grau acolheu os embargos, reconhecendo o direito da compradora.
No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reformou a sentença, decisão que foi mantida pelo STJ.
O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que a ausência de registro da promessa de compra e venda é fator determinante para a solução da controvérsia, uma vez que impede a eficácia do contrato perante terceiros de boa-fé.
O relator também afirmou que, embora existam precedentes do STJ reconhecendo a ineficácia da hipoteca posterior à promessa de compra e venda, tais casos pressupõem o registro da promessa, o que não ocorreu no caso concreto.
Ademais, a imobiliária agiu de boa-fé, confiando nas informações constantes na matrícula do imóvel, que indicava a propriedade plena da devedora e nenhuma restrição decorrente de promessa de venda.
A decisão ainda enfatizou que a Súmula 308 do STJ não se aplica ao caso, pois se refere a imóveis residenciais vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação e a promessas registradas — requisitos ausentes na hipótese analisada.
Súmula 308 do STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, posterior à promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
Além dos dispositivos já citados (CC, arts. 1.245, §1º; 1.417; 1.473 e seguintes), a decisão do STJ se alinha ao princípio da publicidade registral, previsto no artigo 1º da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), que impõe a obrigatoriedade de inscrição dos atos que importem constituição, transferência ou extinção de direitos reais sobre imóveis.
A boa-fé da imobiliária é protegida pelo artigo 1.201 do Código Civil, segundo o qual a posse e os direitos reais são assegurados ao possuidor de boa-fé, que desconhece vício ou obstáculo ao direito que exerce.
O mesmo se aplica ao artigo 221 da LRP, que estabelece que “os atos jurídicos válidos, quando registrados, tornam-se eficazes em relação a terceiros”.
A decisão do STJ (REsp 2.085.489/SC) consolida uma orientação importante no sentido de que a ausência de registro da promessa de compra e venda de imóvel impede sua eficácia em relação a terceiros de boa-fé, inclusive diante de hipoteca regularmente constituída e registrada.
O caso reafirma a importância do registro público como instrumento de segurança jurídica, transparência e proteção de direitos no mercado imobiliário.
A partir dessa jurisprudência, compradores e investidores são advertidos quanto à necessidade de registrar seus contratos no Cartório de Registro de Imóveis como forma de garantir a oponibilidade de seus direitos frente a terceiros.
A prevalência da hipoteca sobre a promessa não registrada também reforça o princípio da boa-fé objetiva e o respeito à fé pública registral, fundamentos que estruturam o sistema de direito real brasileiro e protegem a confiança legítima nas relações jurídicas.